Os membros do Grupo de Trabalho Inter-Religioso | Religiões-Saúde (GTIR), signatários da Declaração Conjunta “Cuidar até ao fim com compaixão”, de 16 de Maio de 2018, profundamente preocupados com a lei da eutanásia e da morte a pedido, publicam o seguinte comunicado.
Com a aprovação da lei da eutanásia e morte assistida a pedido pela Assembleia da República, uma fissura irreparável foi aberta no dique da vida. O princípio ético “não matarás”, presente em diversas culturas e diferentes tradições religiosos do Oriente ao Ocidente, que fez a sociedade evoluir para uma cultura do cuidado, fica seriamente comprometido pela decisão política de uma maioria. Na verdade, a morte fica mais barata e cómoda do que criar e manter instituições para cuidar com humanidade e compaixão a vida, sobretudo a vida frágil, até ao seu fim natural. Onde estão os cuidados paliativos acessíveis aos doentes que deles necessitam? Espera-se, por isso, que o mesmo legislador que abriu a possibilidade de a morte acontecer a pedido, ponha igual esforço em assegurar cuidados paliativos acessíveis a todos os que deles precisam, particularmente aos doentes mais frágeis e pobres.
A morte a pedido é uma falsa forma de compaixão e representa uma inversão de valores. O cuidar será apenas uma visão romântica, passadista e desumana, uma atitude sem compaixão? Há que estar muito atento à possibilidade de serem abertas novas fissuras com novas iniciativas legislativas para evitar que o dique da vida seja passo a passo completamente derrubado. A evidência do deslizamento para uma cultura do descarte e da morte está aí e a prática dos países eutanásicos, nomeadamente no Canadá, na Bélgica e na Holanda, aponta o indesejado caminho do futuro.
Face à aprovação da eutanásia e da morte a pedido, reafirmamos que as nossas tradições religiosas proclamam o princípio da vida e do cuidar a vida com humanidade e compaixão até ao seu termo natural. Manifestamos a nossa inquietação e preocupação com as pessoas pobres e frágeis, deficientes e idosas, dependentes ou sem condições, doentes crónicos e em sofrimento severo. Numa sociedade hedonista e de relativismo ético, onde os princípios éticos são facilmente substituídos por opiniões de maiorias políticas circunstanciais, o que esperar? Num artigo recente, académicos canadienses defendem a eutanásia para os pobres.
Reafirmamos a nossa convicção que cada ser humano é intrinsecamente digno, independentemente de qualquer critério psicológico, económico, sociológico ou político. O ser humano é digno porque é humano.
A pessoa humana é frágil e vulnerável e por isso pode passar por muitas dificuldades, pobreza, doenças e sofrimentos ao longo do seu processo evolutivo. Face à radical fragilidade da sua condição, o ser humano cuida porque necessita de ser cuidado. Longe de ser um peso, o cuidar humaniza e é fonte de ética. Não é próprio da condição humana descartar e matar, mas, pelo contrário, amparar, acompanhar, cuidar com compaixão até ao fim. Face à legalização da eutanásia e da morte a pedido, os cuidadores e profissionais do cuidado têm o direito de fazer objeção de consciência. Os profissionais crentes, para além do direito, têm também o dever de objetar. A todos os doentes tem de continuar a ser garantido o direito ao acompanhamento espiritual e religioso.
A eutanásia e a morte a pedido tornam-se legais, mas não deixam de ser eticamente inaceitáveis e socialmente reprováveis. A lei não torna ética uma prática que não o é. Ao tornar jurídico pela via legislativa o que pertence aos fundamentos éticos da sociedade, o Parlamento, ao arrepio do sentir social maioritário em Portugal, relativiza o que a sociedade deveria ter como indiscutível e destrói pela via da opinião maioritária aquilo que a sociedade tem de mais humano e fundamento da civilização: a vida como valor fundamental.
Consideramos, por fim, que a aprovação da lei da eutanásia e da morte a pedido promove três males na sociedade: desconfiança básica, injustiça e a obrigação de pedir a morte.
Por tudo o que ficou dito, continuaremos a afirmar o valor da vida até ao seu termo natural; continuaremos a considerar que o humanismo está em acompanhar as pessoas em fim de vida e no seu morrer com compaixão até ao seu fim natural; clamamos por cuidados paliativos acessíveis a todos em tempo útil, pois são uma urgência social, humana e ética; e continuaremos a fazer a experiência de proximidade espiritual com os doentes, ajudando-os a viver o último capítulo da vida com paz e sentido.
Lisboa, 15 de Maio de 2023
Aliança Evangélica Portuguesa
Comunidade Hindu Portuguesa
Comunidade Islâmica de Lisboa
Comunidade Israelita de Lisboa
Igreja Católica
União Budista Portuguesa
União Portuguesa dos Adventistas do Sétimo Dia
Igreja Ortodoxa Sérvia de Portugal
Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (Mórmons)
Fotografia: Após a assinatura da Declaração Conjunta “Cuidar até ao fim com compaixão”, Lisboa, 16.05.2018